O guarda-tempo

O guarda-tempo

O Esconderijo
- Desce já daí, menino! É de crer uma coisa dessas? Ah, mas quando eu pilhar esse biltre cá embaixo, ele vai ver só com quantos paus se faz uma canoa! Ah, vai!

Encarapitado lá em cima do imenso armário de jacarandá, Nelson até podia imaginar a mãe, do alto de seu um metro e cinqüenta, chinelo na mão, olhando furiosa para o topo do móvel, para onde, com certeza, o filho endiabrado tinha mais uma vez escapulido. Ele mal se atrevia a respirar.
Sabe-se lá se ela resolve subir até ali?

"Também", pensava Nelson, "roubar manga do vizinho não é caso para tanto escarcéu! E elas são tão mais gostosas que as daqui de casa!..."

Dona Amélia é que não queria saber, pois seu Francisco, que morava na esquina, já tinha ido várias vezes reclamar:

- Dê um jeito nesse capetinha, comadre, não há quem agüente! Assim, ele acaba desvalorizando o quarteirão!
- Eu bem que tenho pelejado para pôr o danadinho nos trilhos, mas ele é buliçoso demais! - retrucava dona Amélia, suspirando.

A idéia de se refugiar no armário tinha surgido, sem querer, num dia em que a mãe conseguira correr mais depressa, chegando a agarrá-lo pelo braço. Mas o menino desvencilhou-se: apenas ficaram na pele quatro doloridas marcas de unhas. Rápido como um corisco, ele correu para a sala e, não encontrando saída, escalou o grande guarda-louça com a destreza de um gato. Uma vez lá em cima, descobriu que estava no mais perfeito dos esconderijos: o teto do armário era mais fundo que suas portas e laterais.

Assim, bastava deitar-se para ficar completamente oculto pela borda, que formava uma "paredinha" com mais ou menos um palmo de altura.

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