Sinopse | Volta

Falar de leitura num país que tem, ainda hoje, milhões de analfabetos é, no mínimo, um imperativo. A possibilidade de leitura pode estar, no entanto, inscrita num universo que se deixa entrever para além do texto escrito, ao alcance mesmo daqueles que não aprenderam a articular o alfabeto.

A idéia de leitura com a qual os organizadores deste livro se comprometeram, de forma intensa e apaixonada, não se reduz àdecif ração de uma sintaxe alfabética encerrada e aprisionada nos limites léxicos de um texto escrito. Muito mais do que isto, ler é inventar e reinventar o mundo, é tecer as diferentes manifestações culturais que jorram das pessoas comuns, não letradas, não inseridas na comunidade intelectual e construir com elas suas várias interpretações de mundo.

Não que a aquisição da leitura alfabética não seja um direito ou um requisito mínimo de acesso à cidadania planetária, mas que a simples aquisição não é garantia da liberdade criadora que o universo interpretativo abre àqueles que nele se introduziram por mãos hábeis e generosas de quem acredita não deter a verdade sobre o conhecimento do mundo, qualidade aliás essencial a qualquer educador, pensador ou agente de leitura que tenha abandonado a vertente doutrinária do saber organizado.

O tamanho do desafio não foi um obstáculo à experiência empreendida por este grupo de educadores que, entre 1992 e 1996, funda uma Casa da Leitura junto à Biblioteca Nacional impulsionando o Proler, Programa Nacional de Incentivo à Leitura. Não conformados com as políticas de leitura geradas de cima para baixo, deram início à construção de uma rede nacional de agentes de leitura que, após sucessivos processos de desterritorializações, estendeu-se a 600 municípios brasileiros, orientados por uma política denatureza rizomática, transversal e plural, visto que falam de lugares distintos, inscrevendo a leitura no plano multidimensional da transdisciplinaridade.

Ocupando espaços públicos não convencionais, nas praças, ônibus e trens, acreditando na força das comunidades interpretativas, intervinham de forma a arrancar, por onde passavam, toda expressão de cultura que costurava o tecido social. Os núcleos regionais, ainda que referidos a centros universitários, conservavam-se livres de toda ingerência normativa. A integração participativa das lideranças comunitárias e o engajamento da população, transformada em agentes de leitura, descentralizava permanentemente a ação, flexibilizando um comando central investido de poderes para decidir de forma isolada sobre os rumos e direções do trabalho; de forma alguma, isto caracterizava uma acefalia, mas antes uma policefalia, que garantia vitalidade para o programa.

O compromisso residia em apostar no poder transformador da liberdade interpretativa, na sustentação da pluralidade cultural, na possibilidade de explorar o prazer da descoberta e no expurgo de toda forma de leitura a priori que se pretenda única e dominante. É neste contexto, nos diz Eliana Yunes, que o leitor surge como sujeito ético.

É um pouco do resultado deste trabalho que os autores nos mostram neste livro. A nós, cabe apenas o prazer de acompanhá-los nesta apaixonante tarefa e deixar brotar, em cada um de nós, a alegria e a curiosidade da criança que está pronta a decifrar os enigmas postos por um mundo cada vez mais revelador de seu constante movimento e transformação.

Boa leitura!

Terezinha Mendonça

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