Sinopse | Volta

Ebe Lima fez uma proeza: falar da obra de Bartolomeu Campos Queirós sem tirar dela a leveza que lhe é própria, qualidade que Calvino reputou essencial para o próximo milênio. Ebe fez mais. Absorveu essa leveza em seu atento ensaio critico e transformou sua análise - não menos pontual - em uma interpretação coerente, articulada e exata - outra virtude referendada por Calvino. Entrelaçou seu discurso ao de Bartô (minúsculo apelido a lembrar o menino no autor), não para confundi-los mas para preservar seu ritmo e suas imagens, enquanto tece a tese de que a escritura dele é sem fronteiras, dissolvendo a velha polêmica de que a literatura para crianças não é coisa para adultos. Para quem escreve Bartolomeu? Para si mesmo, talvez, olhando a infância que habita para sempre o Homem que ele é (em letra maiúscula, bem do seu tamanho).

Lendo-o amorosamente, como sua produção pede para ser lida, lembrando Barthes, Ebe atravessa não apenas este debate sobre o gênero "infantil": vai mais longe - discute a inexistência mesmo dos limites entre prosa e poesia, entre arte e educação, entre criação e depoimento, nas muitas falas de Bartô. Gomo percorre a obra completa até 1997, passeia com o eco dos bosques da ficção - perdoem a tentação do lúdico! - deste leitor/autor mineiro: vai cavando suas memórias à luz de vozes inconscientes mas nem tanto, em minerações que tanto lavram a palavra, como destilam o sumo da dor, desde os gestos inocentes da mãe colorindo as galinhas ou "bordandó flores no arroz doce das tigelas".

Ebe torna visível em sua escritura o múltiplo Bartolomeu: aquele que faz um Escher em verbo com O peixe e o pássaro, e o que faz suspense com Faca afiada; aquele que prega cidadania com ressonâncias evangélicas em Correspondência, e o que joga com significantes em Aspatas da vaca. Sua leitura nos mostra o avesso delicado, sem nós e fios inúteis, da obra de um autor que certamente está entre os que mais fascinam pela trama que urde entre linguagem e vida, sabendo, talvez, que a verossimilhança possível desta reside na outra, a ficção.

Talvez porque tenha procurado justamente inventar a própria história pela literatura, Bartô pareça tão íntimo, tão confidente, ao mesmo tempo em que sua escritura leve, rápida, exata encena visivelmente a erudição de alma. Entre sentipensamentos poeta e filosofa, cruzando memórias, criando imagens que ensaiam o retorno permanente, na multiplicidade polifônica de vozes e estilos. A costurá-las um fio poético tão sofisticado e simples a um só tempo, que há leitores para as sonoridades e outros para as sintaxes.

Esforçando-se como Leitora-modelo, Ebe não comete o deslize de tentar falar de um autor empírico que ela bem conhece. Antes, reconstitui, no seio da obra, este autor-modelo cujo projeto político e estético está comprometido com os horizontes do humano, no que ele tem de preito à sensibilidade e à inteligência, O ensaio de Ebe é um guia atualizado para uma leitura dessa ordem.

Abramos o circulo para novos leitores participarem do banquete.

Eliana Yunes

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