LERI FARIA JR. : compositor talentoso, irônico e irreverente
Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste
Propus ao amigo João Diniz, artista e arquiteto, uma resenha sobre a trajetória do saudoso músico, compositor, ator e produtor, Leri Faria Jr. (Uberaba 1956-BH 2019). Tanto João quanto eu convivemos com Leri, que foi um grande agitador cultural ao longo dos 45 anos em que se dedicou às artes. Figura carismática, crítico, irônico e irreverente, LF angariou afetos e desafetos nas suas muitas passagens pelas mais diversas áreas de atuação. Produziu discos, participou de vários espetáculos teatrais, atuou como locutor e sonhou alto, alto demais, talvez, para os padrões tacanhos que permeiam as relações artísticas na BH de todos nós.
O audacioso Leri fez grandes vôos. Envolveu-se com diversos projetos culturais, na maioria dos casos, bem-sucedidos. Mas resolveu apostar num megaprojeto chamado A Fábrica, que não conseguiu concluir. Tratava-se da transformação de um imóvel no bairro da Lagoinha em BH. LF idealizou, junto com o arquiteto João Diniz, e vários outros colaboradores, um centro cultural com espaços para apresentações, ensaios, gravações e residências artísticas. Boa parte das obras foram realizadas, mas faltaram recursos e forças para a conclusão do projeto e a inauguração do tão sonhado centro cultural.
Cabe aqui lembrar que o diretor de teatro José Celso Martinez conseguiu em São Paulo vencer uma árdua batalha jurídica contra ninguém menos do que o todo poderoso Silvio Santos. O artista e seus pares ganharam o terreno para a construção da Associação Teatro Oficina Uzyna Uzona, maravilhoso projeto de Lina Bardi e Edson Elito. O teatro (que São Paulo soube apoiar – $$$) é um dos ícones da resistência e persistência das artes no Brasil, um totem vivo a celebrar a vitória da beleza e da cultura num mundo tão hostil quanto o que habitamos nos nossos dias.
Mas voltando no tempo, encontramos LF gozando de plena saúde, produzindo um espetáculo autoral: Drops de Anis. Um trocadilho com a palavra Anistia (Ampla, Geral e Irrestrita) que o povo do Brasil exigia da ditadura militar que, na ocasião, dava os seus últimos suspiros.
Em 1980, em parceria com o baixista e compositor, Melão, produziu o álbum Jequitinhonha (nome de uma das regiões mais pobres e sofridas do estado de Minas Gerais, mas rica em cultura e arte). O disco, fruto de uma pesquisa realizada pelos dois, junto com outros criadores de diversas áreas artísticas, foi feito através do “Projeto Jequitinhonha – Uma Expedição Cultural”. Os músicos percorreram muitas cidades do norte de Minas, como Berilo, Araçuaí, Itaobim e Chapada do Norte, procurando resgatar, através de composições próprias e também de domínio popular, a essência da região. O álbum Jequitinhonha, que na época obteve grande sucesso, foi remasterizado e relançado no formato CD em 2007, com show no Palácio das Artes em BH, com a presença de Leri e Melão.
Sempre inquieto, LF resolveu cair no mundo. Se mandou para a França, exatamente, Paris, onde permaneceu por mais de 12 anos. Lá realizou uma variedade de trabalhos na área musical, obtendo grande sucesso com o seu show “Geografia Musical do Brasil”. O evento atravessou fronteiras: além de percorrer grande parte da França esteve em vários outros países da Europa.
A saudade bateu. Arrumou as malas e regressou ao Brasil, pra sua BH. Já chegou gravando um novo álbum: Piracema. Como possuía talento pra dar e vender, expandiu suas atividades para o teatro, onde compôs trilhas e esteve nos palcos como ator. Participou do programa Cultura Viva, do governo federal. Durante um período, a cada fim de ano, Leri, à frente de competente banda, apresentou em BH e outras cidades o seu ‘Show de Natal’, que trazia no repertório suas composições. As canções, com muita originalidade e ótima qualidade musical e poética, abordavam o período natalino.
Em parceria com João Diniz, e seu projeto musical conhecido como Pterodata, atuou no CD Ábaco, como músico, parceiro e cantor da excelente música “Além” (de JD). Sua última realização foi o CD Nosso, onde, junto com vários colaboradores, compõe e canta em diversos idiomas, dando mostras de toda a amplitude de seus horizontes culturais e afetivos.
Em 2019 o câncer, que já fazia seus estragos, pôs fim à vida desse “Don Quixote” dos tempos modernos que, sem Rocinante ou Sancho Pança, enfrentou moinhos e nunca deixou de acreditar no amor de sua bela Dulcinéia Del Toboso. Um hurra para Leri Faria Jr.!
Videoclips:
ALÉM, produzido por João Diniz &Perodata/ feat. Leri Faria Jr.https://www.youtube.com/watch?v=8zxYoCjFeJw
Programa ARTE NO AR c/ Leri Faria Jr.
Canção ÓCIO CRIADOR c/ Leri Faria Jr.
Colaboração na pesquisa e texto: João Diniz
Pitacos e revisão: Hilário Rodrigues
Colaboração midiática: @rodrigo_chaves_de_freitas
Portal cultural Caleidoscópio: siga @caleidoscopiobh
Para ler mais crônicas, acesse: https://www.caleidoscopio.art.br/category/cultural/cultural-musica/cronicas-musicais/