Yeda Prates Bernis - escritora





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Posse na Cadeira Número 6 de Yeda Prates Bernis

Discurso de recepção de Yeda Prates Bernis

José Bento Teixeira de Salles*


A meiga e suave Henriqueta Lisboa, rompendo antigos preconceitos acadêmicos, foi a primeira voz poética que se fez ouvir na Academia Mineira de Letras. Depois, foi a mística Lacyr Schettino que se projetou como poetisa, numa reafirmação dos méritos da mulher no ameno exercício do verso. Agora, sois vós, poetisa Yeda Prates Bernis, que vindes lançar na Casa de Alphonsus, a semente fértil dos vossos poemas de encantamento e enlevo.

Como nos ensinamentos evangélicos, a porta desta instituição é estreita, e árdua a caminhada a ser empreendida. E são poucos os que a encontram. Assim entrastes nesta Academia, em disputa eleitoral com mais três credenciados candidatos. Não foi, porém um pleito exacerbado e muito menos passional; foi, antes, uma tranqüila escolha nossa, modestos trabalhadores das letras, na demonstração de uma preferência inspirada em vosso talento de poetisa consagrada.

Descendente de tradicional família de Montes Claros, dela herdastes a sensibilidade diante da Poesia e da Música. Poeta foi vosso pai, e é músico um de vossos irmãos. Daí porque tendes no coração e no verso aquele atributo que o poeta chamou de sentimento do mundo.

Montes Claros ostenta, como poucas outras cidades, uma história a contar, história em que se somam a bravura cívica e a alma boêmia - coragem e inteligência enobrecendo vida e tradição.

Por outro lado, nascida em Belo Horizonte, acompanhastes os passos incertos da criança desabrochando em flor, a provinciana Capital de ontem se transformando hoje em convulsionada metrópole.

E porque sois portadora das qualidades de afeto e perspicácia, fostes participante proeminente desse desenvolvimento, numa carreira cujo brilho agora fulgura, com o vosso ingresso na Academia Mineira de Letras.

A cadeira que vindes ocupar aumenta os desafios assumidos, desde que se considere a dimensão intelectual de vossos antecessores. Deles, traçastes, há pouco, com segurança e brilhantismo, o perfil e os trabalhos que engrandecem a galeria cultural de Minas.

Pelos méritos de cada um, percebe-se que são elevadas as vossas responsabilidades. Mas tendes, para vencê-las, os exemplos que ofertais e a bibliografia que enriquece a vossa trajetória literária.

Compulsemos vosso currículo e nele encontraremos uma sucessão de livros que retratam toda uma caminhada de ascendente êxito. Desde a primeira publicação, sob o sugestivo título Entre o Rosa e o Azul, vossos livros não apenas definem uma vocação poética, como deixam relatada toda uma esplendorosa manifestação literária, que foi explodir agora, neste antológico Viandante.

Aquele róseo e celestial título do primeiro livro, embora deixando transparecer natural imaturidade, já revelava os sonhos e as inspirações da poetisa nata.

Premiado no Concurso da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, o volume de estréia provocou manifestações de veementes aplausos da crítica.

Adalgisa Nery escreveu: "Tive a sensação de que havia tocado a ternura e a pureza."

Henriqueta Lisboa, suave e contida, aplaudia vossa "poesia para habitar corações", e a autorizada voz de Lúcia Machado de Almeida proclamava que "a poesia tão feminina e sensível de Yeda lembra flor: simples, espontânea e pura."

Outra credenciada voz, a de Milton Campos, sempre tão sóbrio em seus pronunciamentos, observava que "sua poesia tem beleza e ternura que afagam o coração e a sensibilidade."

Martins de Oliveira antevia que "surge mais uma voz pura e generosa no País das Gerais, para o coro admirável da poesia alta."

Preciso e seguro no julgamento do livro, o prof. Aires da Mata Machado Filho acentuava com propriedade: "O canto suave está nas cores do título. Mais cicios que gorgeios... Ainda quando se aprofunda, é poesia de superfície, no doce recorte tagoriano."

Para estreante, era a consagração.
Outros êxitos se sucederam. Enquanto é Noite reafirma as qualidades de uma poesia de profundas inspirações, na revelação de um temperamento sensível e emotivo.

Nota-se nos versos - a observação é de Henriqueta Lisboa - a intensidade de forte vida interior, "que sabe exercer, com amor, desvelo e imaginação, os oficios do quotidiano."

Destaquemos essas característ{cas do "exercício do quotidiano", porque elas se repetirão nos poemas subseqüentes até hoje quando, fortalecida em seus atributos, a autora permanece a mesma na manifestação do verso diante da realidade do quotidiano.

Já em Palavra Ferida, denota-se a busca de novos caminhos, embora mantidas as fortes tonalidades de uma composição literária harmônica e de intensa sensibilidade.

Foi o saudoso mestre Edgar da Mata Machado, quem melhor fixou esse aspecto, ao afirmar que no primeiro poema do volume "já se desvenda o instinto da descoberta... o encontrar-se num abraço silencioso."

Daí em diante, era natural que vossos textos buscassem ainda maior sobriedade, caminhando para um aprimoramento de composição técnica que não prejudicava antes, robustecia - a pureza inspiradora dos sentimentos.

Nesta linha de aperfeiçoamento, registre-se a força da palavra projetando o modelo imperecível do pensamento e da alma poética. Já não mais, é claro, os sonhos primaveris de outrora, mas os contornos definidores de um verso que reprime arroubos de principiante.

Prova disto vamos encontrar em Pêndula, livro sobre o qual opinou o Prof. Audemaro Taranto Goulart, ressaltando que "é na inquietação que Yeda procura inscrever o seu sonho revolucionário".

Já aí se percebe que os poemas acentuam um evidente poder de síntese, sem perda do lirismo que, sempre presente, se esconde, não poucas vezes, na ática contenção do estilo.

Em cada livro publicado, aprimorais o texto escorreito e simples, assegurando o já referido atributo da concisão. O caminho natural seria o hai-cai - a síntese na dimensão incomensurável da idéia - e surge então vosso Grão de Arroz que Carlos Drummond de Andrade classificou como sendo "das criações poéticas mais delicadas que já se fizera entre nós." E resume, em curta frase, com sua autoridade incontestável: "Nada lhe falta, em emoção contida e limpidez de forma."

"Poesia para habitar corações" exclamou Henriqueta Lisboa.

Observa-se que há, nos livros, uma linha de coerente respeito aos fundamentos de estilo que temos retratado. Veja-se, a propósito, que suave e sucinto encantamento encontramos em O Rosto do Silêncio:

Enterrei meu canarinho
junto à roseira.
Agora, a primeira rosa
vai amanhecer
cantando


Sucedem-se, na mesma seqüência da estrutura textual e de manifestações de fina sensibilidade, os livros A Beira do Outono, em 1994, Encostada na Paisagem, em 1998, e Cantata, em 2004, uma antologia poética, da qual pinçamos versos esparsos:

Escorre pela folha
a tarde imensa,
pousada em gota d'água

Ou então:
Neblina.
Papel de seda embrulha
a paisagem.
E ainda:
Vem o beija-flor
do horizonte
molhado de arco-íris.


Em todos - e sempre - a mesma singela e pura inspiração.

No prefácio do livro Cantata, Bartolomeu Campos de Queiroz fixou, com precisão critica, o exercicio da arte poética de Yeda Prates Bernis com estas observações:
"Possuir a palavra exata em momento certo, sem ignorar a sonoridade que ela guarda, para associá-la a outras, em frases melódicas, garantem a qualidade de sua forma."

Distintas Senhoras,
Meus senhores.


Atentai bem. Ser poeta! Ser poeta é transmitir sentimentos e paixões, ódio e amor, alegrias e desencantos, fastigios e dores, em um simples poema, emoldurando, com sabedoria e arte, ritmo e harmonia, todo um universo de emoções, afetos e tristezas.

Ser poeta: "Tanto era bela no seu rosto a morte."

Vede bem, senhores: retratar vida e morte, em um simples verso: "Tanto era bela no seu rosto a morte."

Introspectivo e melancólico, Fernando Pessoa definiu: Ser poeta é a minha maneira de ficar sozinho, quando então, eu fico triste como um pôr-do-sol - o ocaso do dia prenunciando a morte.

Ser poeta é bradar ao céu pela libertação do homem:

A praça é do povo como o céu é do condor.

Ainda ser poeta é entristecer-se com a misteriosa policromia de um pôr-do-sol: O ouro fulvo do acaso as velhas casas cobre.

Ser poeta independe de época ou sexo, de escola ou de idade, brota da alma como a água mais pura jorra da fonte agreste.

Ser poeta é sonhar em mística loucura, como cantou o patrono desta Casa.
Ouço, ainda hoje, pelos corredores da sede senhorial, a voz - lamento clamando por Ismália:

Quando Ismália enlouqueceu
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.


Ser poeta é ter o pranto dorido e seco que explode da alma atormentada de Bandeira, em Desencanto:

Meu verso é sangue... Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me, nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.


Desesperado náufrago de amor, o poeta Emílio Moura confessa:

Ainda que fosse um mito eu não te amaria tanto.

E é o mesmo poeta que indaga à noiva:

Teus cabelos são nuvens?
Tua voz é de orvalho?


Ser poeta é Abgar na Endecha do Funcionário, entre saudoso, cético e triste:

Não amo novidades, nem mudanças,
E prefiro saudades a esperanças.


Ser poeta é clamar com a dimensão e a força do nosso Drummond:

Tenho apenas duas mãos
E o sentimento do mundo.


Ainda e sempre, ser poeta é transmitir delicadeza e candura em um único verso, como fez a meiga e doce Henriqueta Lisboa:

Entre a vida e a morte, um véu, nada mais que um véu.

Ser poeta, pois, é arquitetar a palavra fácil, aguda, penetrante, que fere fundo o nosso coração, atinge a alma, encanta, comove, inebria, suplica, exalta.

Ser poeta é viver o sublime amor, o brado de revolta, a lágrima de dor, a dimensão do eterno, o momento fugaz, um riacho em flores, um sorriso de compreensão e amor, a inexorabilidade da morte.

Por isso, sois poeta, Poetisa e Acadêmica Yeda Prates Bernis.

Em Viandante, vosso livro mais recente, sublimais, na intensidade da dor, a beleza do verso. É justo ressaltar que conseguistes registrar no livro, sem pieguismo ou excessos melodramáticos, todos os sentimentos de paixão e saudade. Nem uma palavra a mais; o texto é sóbrio, enxuto, preciso, mesmo quando se adensa a proporção de vossa dor e sofrimento.

Neste sentido, é sugestiva a observação do critico e acadêmico Fábio Lucas: "A Poeta sabe organizar o elemento intensificador da expressão, que ultrapassa o reino dos conceitos. Por isso, como no exemplo seguinte, serve-se dos objetos da vivência doméstica para alegorizar o vácuo da ausência: Teus óculos sobre a mesa de trabalho, me espiam / Vêem também o meu vazio?

Ou então - e a observação é ainda de Fábio Lucas: Meus olhos te perderam. E como te vejo!

Talvez vosso admirável e dificil poder de sintese tenha se aprimorado com a experiência dos poetas orientais, de Tagore e dos haikais, de que é exemplo sugestivo, aliás, o vosso precioso e já mencionado livro Grão de Arroz.

Em Viandante chorais de paixão, num pranto de tristeza e sofrimento, pela perda do vosso amor-querido. E é por isso que sois poeta: porque, ainda na dor mais profunda, sonhais com as estrelas, cantais com os pássaros, chorais, chorais, e chorais com o viandante amado, no caminho largo e retilineo da vida.

Compreendo a intensidade de vossas doridas lembranças. Convivi com vosso inesquecível esposo, desde os bancos universitários, quando nos irmanamos, nas mesmas inspirações cívicas, na luta contra a ditadura getulista do Estado Novo.

Passaram-se os anos. Mudaram-se os costumes. Sonhos se diluíram no tempo, ilusões foram desfeitas. A vida - que nada mais é do que a exaustiva espera da morte - platinou nossos cabelos e vincou nossos rostos, fizeram-se claudicantes os nossos passos.

Nei continuou sempre o mesmo, até o fim: afável, compreensivo, bondoso e sincero. Mas, inarredável em suas convicções. Homem cordato e ameno, aceitava com lucidez cristã as incompreensões e injustiças humanas, porém, jamais compactuou com as imposições que ultrapassassem as fronteiras da honestidade e da honra.

Compreendeis então, distinta Acadêmica, que a tristeza pela perda do ente querido, não é apenas vossa, mas de todos os que tiveram a ventura de com ele conviver e admirar, de perto, a sua extraordinária dimensão humana.

Sois poeta, Acadêmica Yeda Prátes Bernis. Por isso, entendeis as estrelas e falais a linguagem dos sonhos. Tomai, portanto, como vossas, as palavras do Poeta universal de Ipanema, neste pranto final de amor e de saudade:

Agora chamarei a amiga cotovia
e pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
Meu querido, saudades de quem te ama...
Yeda Prates Bernis


(José Bento Teixeira de Salles é escritor e ocupante da Cadeira número 28 da AML)

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