Artaud, vontade de potência
Teatro Contemporâneo

Artaud, vontade de potência

Teatro  Contemporâneo | Antonin Artaud, parte 2

Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@gmail.com

 

Cultura - Vontade de Potência

Artaud

Nomear e dirigir as sombras

“Para o teatro, assim como a cultura, a questão continua a ser a de nomear e dirigir as sombras”. Artaud deseja mostrar a base orgânica das emoções e a materialidade das ideias nos corpos dos atores, a transformação das concepções em eventos inteiramente “materiais”, onde as facetas obscuras do “espírito” são reveladas numa projeção real, material.

Captar o “manas”, as forças que dormem em todas as formas, como os velhos tótens, que captam, dirigem e derivam forças e a efígie que tem sua sombra que a duplica, assim como o escultor que, enquanto modela, acredita liberar uma espécie de sombra cuja existência dilacerará seu repouso. Não uma contemplação das formas por si sós, mas uma identificação mágica com essas formas, como a pedra que se anima porque foi tocada como se deve.

Uma obra de arte só é viva, na medida em que ela comunica algo além da sua simples aparência. Esse algo além é a sua sombra que a duplica, ou seja, quando o artista é capaz de inscrever naquilo que ele molda o sopro de vida que o inspirou, como o Deus que moldou o homem com o barro da terra, depois o sopra (o sopro vital) tornando-o um ser vivente.

O sopro é esse exercício de uma força criadora, que apreende aquilo que, do interior, se inscreve na exterioridade – as aspirações secretas, os fluxos secretos do desejo. Uma representação comovente habitada por marcas de sua própria história, escrita em sua própria carne.

Captar essa verdade não é uma prática insignificante, mas o exercício de uma inspiração quase divinatória. Assim, só atingimos com a nossa arte o ser do homem, quando nos comunicamos em um outro plano, diferente daquele da realidade cotidiana, superficial e inútil.

Esse mundo arquetípico, onde se movimentam as aspirações, sonhos, desejos, sentimentos, medos, angústias… as profundezas, as regiões subterrâneas do nosso ser humano universal. Lutas que se travam nas sombras e se fazem revelação, esse invisível que se torna visível, como dizia Klee: “a arte não reproduz o invisível, mas torna visível”.

Quando deparamos com alguma obra de arte que carrega em si essa potência, essa sombra, ela nos atinge, nos perturba, nos encanta, nos transfigura. Não saímos dali como entramos, algo foi acrescentado.

É o tempo privilegiado em que não apenas nos sentimos existir, mas onde passamos por uma experiência de recuperação material do ato de existir. Ao ir à exposição de Camile Claudel (para citar um exemplo) vivi essa experiência.

A sua obra possui uma força misteriosa e ativa, abriga um fogo vital que jorra do próprio fundo da sua natureza, exalando de si mesma seu encantamento e em que a alma, como que com um hálito, cria seu próprio corpo. Uma obra capaz de nos transtornar e nos envolver.

Artaud nos diz que “se falta enxofre à nossa vida, quer dizer, se lhe falta uma magia constante, é porque nos apraz contemplar os nossos atos e nos perdermos em considerações sobre as formas sonhadas de nossos atos, ao invés de sermos impulsionados por eles”, ou seja, falta à nossa vida força, energia, vibração, intensidade e estamos mergulhados no marasmo.

Artaud critica esse homem civilizado, bem formado pelo sistema, que pensa por sistemas e formas convencionais, fechadas, sendo que a vida é tensão, é dinâmica, em que o pensamento, a palavra e a ação buscam a sua unidade conflitual.

O verdadeiro teatro também tem suas sombras, que rompem com suas limitações, duplica as formas, se expande, traz à luz aquilo que recusamos ver, rompe a linguagem para tocar a vida. Só que a “nossa ideia petrificada do teatro encontra-se com nossa ideia petrificada de uma cultura sem sombras onde, seja para que lado for que se volte, nosso espírito só encontra o vazio, quando na verdade, o espaço está cheio”.

“É paradoxal que em nossas vidas,
o vazio possa ser repleto,
o negativo possa ser afirmativo,
o vácuo possa ser o lugar em que a maioria das coisas acontecem.”
Lao Tsé )

Cultura em Ação

Artaud propõe uma cultura que seja inseparável da vida. A ação do homem inventa o homem, no conflito com o destino. Uma cultura que se constrói continuamente e que não dá para se encerrar e se fechar em livros “sobre a cultura.” Uma cultura em vida, em movimento, em ação, que se faz e se refaz nesse “vir-a-ser que não conhece nenhuma saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço – esse meu mundo dionisíaco do eternamente criar a si mesmo, esse meu para além do bem e do mal, sem alvo… vontade de potência.”

Nietzsche fala dessa vontade de potência como um jogo de forças e ondas de forças, que é, ao mesmo tempo, uno e múltiplo, “aqui acumulando-se e ao mesmo tempo ali minguando, um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente mudando, eternamente recorrentes, com descomunais anos de retorno, com uma vazante e enchente de suas configurações, partindo das mais simples às mais múltiplas, do mais quieto, mais rígido, mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outra vez voltando da plenitude ao simples, do jogo de contradições de volta ao prazer da consonância.”

Essa vontade de potência se traduz, no teatro artaudiano, como um jogo de envolvimento e afastamento mútuo, em que o constituído se confunde com o constituinte, onde nada pode aparecer como acabado, como claro e distinto, como realizado, em que nenhuma transformação e nenhum acontecimento é definitivo. Um conflito permanente entre o uno e o múltiplo, cujas operações simbólicas e físicas transbordam e lutam entre si.

O sábio Heráclito de Éfeso já acreditava num mundo em perpétua mudança, em eterno vir-a-ser, onde tudo se torna o contrário de si mesmo, onde as transformações no mundo derivam da interação dinâmica e cíclica dos opostos: o dia vira noite, o inverno, primavera; o doce, amargo; o pequeno, grande; o grande diminui; o quente esfria; o frio se aquece…Seu princípio universal era o fogo, um símbolo para o contínuo fluxo e a permanente mudança em todas as coisas. Imagem do fogo que se acende e se apaga na mesma medida e que pode ser destruição, mas, também, criação.

Um teatro contra o que na vida há de constituído, de manifesto, e que pretende para si a eficácia da magia e dos ritos. O olho do artista, como diz Thomas Mann, “tem um viés mítico sobre a vida; por isso, precisamos abordar o mundo dos deuses e demônios – o carnaval de suas máscaras e o curioso jogo do “como se’, no qual o festival do mito vivo abole todas as leis do tempo, permitindo que os mortos voltem à vida e o “era uma vez” se torne o próprio presente – com o olho do artista.” E Joseph Campbell completa: “a máscara em um festival primitivo é venerada e vivenciada como uma verdadeira aparição do ser mítico que ela representa – apesar de todo mundo saber que foi um homem quem fez a máscara e que é um homem que a está usando.

Mas, durante o tempo do ritual do qual a máscara faz parte, aquele que a estiver usando é também identificado com o deus.” Mas essas festas religiosas celebradas nos rituais primitivos não acontecem em total ilusão. Há uma consciência de que as coisas “não são reais.” Campbell esclarece essa questão com uma citação de Marett : ” o selvagem é um bom ator que sabe envolver-se no seu papel, como uma criança brincando e também como uma criança, é um bom espectador que pode ficar morto de medo de um rugido que sabe muito bem não ser de um verdadeiro leão.”

É essa vida que se desenvolveria sob o signo da verdadeira magia, que Artaud quer evocar, advertindo-nos que a intensidade da existência está intacta e que, por medo, vivemos no estado de impotência em possuí-la.

Por isso nos propõe revermos nossas ideias sobre a vida, numa época em que nada mais adere à vida. Colocamos a cultura em uma espécie de Panteão: de um lado fica a cultura (idolatrada em seus panteões) e, de outro, a vida. Não entendemos que a verdadeira cultura é um meio apurado de compreender e exercer a vida, onde o mundo não é condenado e evitado como um pecado, mas voluntariamente assumido como um jogo ou dança, onde o espírito brinca.

Ele faz uma crítica à ideia ocidental da arte, em que arte e cultura não podem andar juntas, onde a arte coloca o espírito numa atitude separada da força, sendo que a verdadeira cultura age por sua exaltação e sua força. No teatro oriental, diz Artaud, “as formas apoderam-se de seu sentido e de suas significações em todos os planos possíveis; ou se preferirem, suas conseqüências vibratórias não se fazem sentir num único plano, mas em todos os planos do espírito ao mesmo tempo”, sendo capaz de nos transtornar e encantar e não se detendo nos aspectos exteriores das coisas, mas trazendo à luz do dia, através de gestos ativos, essa parte de verdade oculta sob as formas em seus encontros com o Devir.

É nesse espaço virtual, diz Artaud, que se instaura o teatro. Um jogo ligado ao imprevisível onde as regras nascem dele mesmo, nascem da lógica do acaso, onde cada lance lança suas regras, abolindo as certezas, abrindo novas questões, num olhar sempre inaugural sobre o mundo, emergindo no perigo, no desejo invencível do vir-a-ser: “manifestar e ancorar inesquecivelmente em nós, a ideia de um conflito perpétuo e de um espasmo onde a vida se dilacera a cada minuto, onde tudo na criação se ergue contra nosso estado de seres constituídos”.

É a roda infinita do Devir, na qual o caos é condição necessária da produção da forma. Desconstruir, descentrar, desintegrar, construir, equilibrar, integrar. O ir-se abrindo e se metamorfoseando. Ciclo de caos e cosmo em devir permanente. Dioniso e Apolo. “Teremos chegado muito a favor da ciência estética se chegarmos à certeza imediata da introvisão de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos, em que a luta é incessante e onde intervêm periódicas reconciliações”, diz Nietzsche. O elemento apolíneo relacionado à Poíesis – estado de alma.

Saber – fazer poético.Gozo oriundo da obra feita pela própria pessoa, possibilitando uma tentativa de combate para um conhecer deste mundo, distinto do conhecimento oferecido pela ciência. O elemento dionisíaco relacionado à Aísthesis – gozo estético do ver e reconhecer. Circula pela sensibilidade, operando sobre o conceito do conhecimento pelos sentidos, privilegiando o sentimento e a sensação. A experiência da densidade do ser, como diz Sartre. A atividade da aísthesis (elemento dionisíaco) pode e deve levar à poíesis (elemento apolíneo), na medida em que o ato criativo pode e tem de abandonar sua atitude puramente contemplativa e participar da criação da obra em seu conteúdo e forma.

Uma matéria em ebulição na direção de um possível. A busca de dar forma (simbolizar) àquilo que não tem forma (o afeto, os sentimentos, as emoções). O desvelar desses movimentos obscuros, em que o invisível ganha visibilidade, em que as produções do inconsciente (do ato embriagador da criação) irão materializar-se no poético (eficácia simbólica).

O partir do sensível, do espaço cênico, do caos dionisíaco, para se chegar ao apolíneo, ao matemático, à partitura. A cultura é “esse sem espaço nem tempo” ligada ao inconsciente, produzindo cataclismas, que ressurgirão com redobrada energia, incitando – nos a retornar à natureza, a reencontrar a vida.

Contra a cultura da Europa que supervaloriza a razão, Artaud vem propor a união entre corpo e espírito, numa visão do homem com um ser integral, orgânico e não multifacetado. O homem construindo a cultura e a cultura transformando o ser do homem em sua profundidade.

Como nos diz Vera Lúcia Felício: “uma cultura que não é escrita, pois, escrever é impedir o espírito de se movimentar no meio das formas como uma vasta respiração”, mas que vai sendo inscrita nesse movimento incessante da vida, desaparecendo a dicotomia homem e natureza, vida e regras de viver.

Cultura - Vontade de Potência, parte dois

É no México que Artaud vai encontrar aquilo que ele chama de cultura viva: “ligada ao sol, perdida nas correntes da lava vulcânica, vibrante no sangue índio, há no México a realidade mágica de uma cultura, cujas chamas de pouca coisa precisariam para se reacender materialmente.

Falando do México, não é por acaso que sou levado a falar do fogo. Se toda a civilização começou pelo fogo, a ideia do fogo está subjacente e alimenta sempre toda a realidade mexicana. O fogo, imagem da civilização, permaneceu no México mais que uma imagem através dos tempos, incorporando-se ativamente nos Mitos pelos quais a civilização do México manifesta a sua vivacidade”.

Para Artaud, a cultura tem que ser em carne viva, queimar organismos. Ele diz que não há cultura sem fogueiras e o México parece deter o meio de reavivar sem fim fogueiras de culturas vivas.

As imagens míticas dos quatro elementos: fogo, céu, água, terra parecem ser intrínsecas ao México, “nelas está todo o México ao nu ” (…) “e assim como toda a matéria existente passa num dado momento por esses quatro pontos, assim como a física moderna reencontrou energias e princípios que não são outros, em linguagem clara, senão símbolos da antiga alquimia, e ao Mercúrio corresponde o movimento, ao Enxofre a energia, ao Sal a massa estável, assim também a atividade dos princípios manifesta em imagens no México, os seus poderes perpetuamente renovados”.

A ida ao México permite perceber que não há civilização nem cultura válidas sem a ideia aceita e partilhada de um mito que continua a vivificar os organismos, permitindo-lhes confrontar-se magnética e constantemente com símbolos universais.

No México, o homem é visto não como separado da natureza, mas em uníssono com ela, com o universo e, que, se encontrando perto das forças da natureza, participa de seus segredos. Da sua experiência com os Tarahumaras, Artaud nos diz que é falsa a ideia de que eles não tenham civilização, pois eles possuem a mais elevada ideia do movimento filosófico da natureza…”captaram os segredos deste movimento através de Números-Princípios, tal como Pitágoras o fez”.

Artaud descreve que diante de cada aldeia Tarahumara e nos quatro pontos da montanha, há uma cruz, que nada tem a ver com a cruz católica, mas representa o homem esquartejado no espaço, ou seja, o homem de braços abertos, ligado aos quatro pontos cardeais. Uma ideia ativa do mundo, uma ideia geométrica à qual a própria forma do homem está ligada.

“O que a cultura mexicana propicia é o restabelecimento da ideia de uma grande harmonia, onde espírito e matéria não são mais rivais” e uma civilização que põe o corpo de um lado e o espírito do outro arrisca-se, como nos diz Artaud, a “ver quebrarem-se os laços que unem estas duas realidades dissemelhantes”.

O artista é chamado a ser um Tarahumara, aquele que abriga no fundo do seu coração o coração de sua época…aquele que é porta-voz…aquele que está ligado, que possui uma percepção mais apurada da vida, que não apenas vê, mas tem visão, um visionário.

E que no ato de realizar a sua arte dá vazão às angústias de sua época, interferindo neste mundo e transformando-o, através da recuperação dessa magia, dessa comunicação constante entre o interior e o exterior, o ato e o pensamento, a matéria e o espírito.

Artaud é contra essa cultura onde apenas as pessoas ditas cultas participam, pois uma civilização assim “já não tem nada a ver com as suas fontes primitivas de inspiração”, perdeu a sua magia, a sua ligação com a profundidade da vida.

É no teatro que Artaud busca a recuperação dessa verdadeira cultura: “O teatro pode ajudar-nos a recuperar uma cultura e dar-nos dela imediatamente os meios: a cultura não está nos livros, mas nas forças que emanam dos livros, ela está nos nervos, nos órgãos sensíveis, numa espécie de manas que dorme e que pode mostrar o espírito imediatamente na atitude de receptividade a mais alta, de receptividade total… este manas, o teatro tal como eu o concebo, desperta-o…”

Teatro Ocidental e Teatro Oriental

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É no contato com o teatro de Bali que Artaud vai encontrar aquilo que mais se aproxima à sua busca do verdadeiro sentido da cultura e do teatro. Assim como a cultura no ocidente está ligada à instrução acadêmica, desligada da essência do ser e da vida que o circunda, o teatro seguindo esta mesma direção, encontrava-se em estado de estagnação psicológica e literária (era visto como um ramo da literatura), incapaz de nos transtornar e nos encantar.

“A enfermidade espiritual do ocidente, que é o lugar por excelência onde foi possível confundir a arte com o estetismo, está em pensar que poderia existir uma pintura que só servisse para pintar, uma dança que seria apenas plástica, como se alguém tivesse desejado cortar as formas da arte, separá-la de todas as ligações com todas as atitudes místicas que podem assumir ao se confrontarem com o absoluto.” (…)

“É por não se deter nos aspectos exteriores das coisas num único plano que o teatro oriental não se limita ao simples obstáculo e à aproximação sólida desses aspectos com os sentidos; é por não parar de considerar o grau de possibilidade mental de que se originam que ele participa da poesia intensa da natureza e conserva suas relações mágicas com todos os graus do magnetismo universal.”

Para Artaud o uso da palavra no teatro ocidental não contém uma força ativa, não rompe a aparência para se chegar ao espírito, mas fica somente no nível exterior de um pensamento perfeito que se degrada ao se exteriorizar. Já no teatro balinês sente-se um estado anterior à linguagem e que pode escolher sua linguagem: música, gestos, movimentos, palavras. E essa é a linguagem expressiva, diz-nos Rousseau…”aquela em que o signo diz tudo antes que se fale” (…) “onde o objeto oferecido, antes da palavra, acorda a imaginação, excita a curiosidade, mantém o espírito em suspenso”.

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O teatro oriental é, para Artaud, a concretização dessa linguagem – “o saber conservar um certo valor expansivo das palavras, uma vez que, na palavra, o sentido claro não é tudo e sim, a música da palavra que fala diretamente ao inconsciente”. Uma linguagem não da palavra articulada, discursiva (como acontece no ocidente), mas uma linguagem de gestos, atitudes e signos. Uma linguagem que não se define a não ser pelas possibilidades da expressão dinâmica e no espaço, em oposição às possibilidades da expressão pela palavra dialogada. Uma palavra que não será mais conotada mas detonada. Ele propõe uma linguagem que circule pela sensibilidade e que, abandonando as utilizações ocidentais da palavra, faz das palavras, encantações: “ela emite uma voz, utiliza vibrações e qualidade de voz; faz os ritmos se repetirem apaixonadamente; calca sons; procura exacerbar, exaltar, encantar, deter a sensibilidade”.

 

Através desta linguagem, que assume uma nova espécie de presença e, através dos movimentos dos atores, criamos uma “poesia natural”, uma “poesia no espaço”, a verdadeira poesia sensível do teatro. Aquela que utiliza todos os meios de expressão utilizáveis em cena, como a música, a dança, artes plásticas, pantomina, gestos, entonações, iluminação, cenário. Isso na medida em que eles se revelam capazes de aproveitar as possibilidades físicas imediatas que a cena lhes oferece para substituir as formas imobilizadas da arte por formas vivas e ameaçadoras – “tentação física da cena”.

Ao falar do Teatro Ocidental, Artaud afirma a perda da nossa sensibilidade para com a manifestação do sagrado, onde o mundo profano é transcendido, onde se torna possível a comunicação com os deuses: “perdemos aparentemente nossa sensibilidade para com essas encarnações cósmicas”.

O teatro ocidental, atado às suas preocupações cotidianas, esqueceu a teatralidade dos monstros, o puro frêmito dramático derivado da simples vista da monstruosidade, esse medo metafísico (quando os nossos apoios normais são dissolvidos, quando se coloca em cheque a nossa segurança, “quando perdemos a terceira perna do nosso tripé estável”) e ancestral (respeito pela manifestação de algo).

O teatro para Artaud, deve ser um ATO TOTAL, sendo, a vida, o lugar por excelência, onde essa linguagem se enraíza: “eu não concebo a obra como desligada da vida” e, o palco, o lugar em que, de maneira orgânica e profunda, essa linguagem dinâmica e objetiva se inscreve (o significado que vai nascer a partir da sua construção – materialidade do significante), tornando a encenação uma linguagem particular.

Um teatro que nos reata com a vida em lugar de nos separar dela, pois é um teatro provocador, revelando tudo que a vida dissimula ou não pode expressar. Só assim, poderemos “acreditar num sentido de vida renovado pelo teatro onde o homem torna-se senhor daquilo que ainda não existe, e o faz nascer”. Um teatro que se propõe a ser renovação da vida, renovação do homem…do homem integral e não só do homem racional: “acima de tudo precisamos acreditar no que nos faz viver e que algo nos faz viver”.

Um teatro que seja como “terra do fogo, lagunas do céu, batalha dos sonhos” e que nos levará a uma aproximação com a vida ardente, a vida em estado puro, onde poderemos encontrar alguma coisa de verdadeiramente essencial no ser.

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