Crônica Double Fantasy
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Crônica Double Fantasy

JOHN LENNON – DUPLA FANTASIA – A SUPREMACIA DA VIOLÊNCIA

Crônica da Era do Rock, por Rodrigo Leste

Mark Chapman regou com sangue alheio a árvore do sucesso que pretendeu plantar em seu quintal. Almejava um lugar no Hall da Fama. Horas antes de puxar o gatilho, conseguiu colher o autógrafo do ídolo na capa do LP Double Fantasy. Além do romance com Yoko Ono, a dupla fantasia de John Lennon era ser gentil com os fãs e tocar seu projeto artístico que dialogava com a política — entenda-se: revolução. A fantasia do Mark “Zé Ninguém”, era a de tornar-se alguém às custas de qualquer coisa, incluindo um assassinato humilhante e vergonhoso. Aliás, todo assassinato é acompanhado da mancha da vergonha. E galgar os degraus da fama, através de disparos contra as costas de um inocente, é crime que fere todas as leis do universo.

O fato ocorre na frente do Edifício Dakota, Dakota Apartaments, situado na esquina da 72nd Street com a Central Park West, Nova York, onde John vivia com a esposa Yoko. O prédio já tinha um karma pesado por ter sido cenário do filme Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, um clássico do cinema macabro onde são espalhadas por uma seita satânica as sementes do diabo. Os disparos repercutem. Do Central Park, que fica bem ali em frente, ecoa uma gargalhada que logo é atribuída ao espectro de Charles Manson, mentor do assassinato da atriz Sharon Tate. Sharon, justa e exatamente esposa do cineasta Polanski, foi morta à facadas por um grupo de fanáticos que seguia o guru do mal, o famigerado Manson. As peças do quebra cabeças vão se encaixando. Os rastros de sangue desenham uma seta apontada para a o coração da violência “tão americana quanto a torta de maçã”.

Mark, nascido no Texas, se olhava no espelho com desalento. Via a sua cara balofa, adornada por uns óculos caretas. Ainda que recém-casado, pensava que com essa cara seria sempre um Zé Ninguém, um nowhere boy, incapaz de atrair a atenção das gatas coquetes com quem sonhava, de minissaias, mascando chicletes e dançando ao som do rock and roll. O mito americano da fama a qualquer preço, subiu à cabeça do pobre rapaz. Lee Oswald soprara veneno no seu ouvido. Jack Ruby também serviu de inspiração a Chapman por ter seu retrato estampado, entre outros, na capa do LP Sargent Peppers, dos Beatles. E Mark não queria ficar pra trás, não pouparia esforços pra ter fotos do seu rosto nas páginas dos jornais e nas telas das TVs.

O charme dos grandes criminosos ocupa o imaginário da grande nação do norte. Bonnie and Clyde, Al Capone, matadores de índios e búfalos como Buffalo Bill e o General Custer, viraram lenda, viraram livros, filmes. Holywood, a maior máquina de propaganda do mundo, se incumbe de disseminar mitos. Por isso Charles Manson quis fazer, do ritual satânico do assassinato de Sharon, um filme, um filme de terror, sangrento, sujo, capaz de mexer com o inconsciente destruidor que ele sabe que está adormecido no coração de qualquer pacato cidadão. Helter Skelter! Para o lunático Manson, qualquer americano típico, cumpridor da lei e da ordem, traz dentro de si a semente do irrefreável ímpeto assassino. Não é, Tarantino? Bad seeds, Rosemary. O pesadelo era real, Polanski, e a sua jovem esposa grávida acabou sendo o cordeiro do sacrifício. A dupla fantasia se desdobra. Vai criando o quebra cabeças dos desejos inconfessos que surgem nas faces como espinhas no rosto de um adolescente. Cresce como a massa fermentada do pão e é tão fácil adquirir uma arma e munição no glamouroso gigante do norte, que vidas correm perigo a cada instante, em qualquer lugar.

— Cuidado, Moreira! Grita Kid Morengueira. Pois o atirador, que mata colegas e professoras(es) na escola, já está com o dedo no gatilho.

Chapman comprou seu 38 numa birosca qualquer, comprou e usou contra um John Lennon indefeso, na flor dos seus 40 anos, cheio de projetos e planos (quando foi morto, John carregava nas mãos fitas das últimas gravações que tinha acabado de fazer). Ironia do destino é que John Lennon estava sendo investigado pelo FBI. Não caía bem um inglês, que era tolerado pelos americanos, se meter a emitir opiniões políticas contra a guerra do Vietnã e contra o presidente Nixon, além de se envolver com declarados líderes de esquerda como Jerry Rubin e outros “comunas”.

Anos antes, John havia declarado que o sonho acabou. Poderia estar se referindo ao fim dos Beatles, que se separaram em 1970. Mas poderia também estar decretando que o paz e amor, o flower Power, a nação Woodstock, os gurus indianos, as viagens lisérgicas, todo o repertório que compunha a utopia de uma geração, tinha ido por água abaixo. O Magic Bus atolara no pântano da realidade abjeta, desprovida de poesia e beleza. Era a vitória do capitalismo com seu materialismo pragmático, a ditadura do dinheiro: “Money that’s what I want!”

“The party is over” (A festa acabou) cantou Mick Jagger. A revolução não veio. Vieram guerras nas quais a América, com sua política de ser a polícia do mundo, se meteu: Líbano, Afeganistão, Iraque, Líbia e muitas outras. A indústria bélica esfrega as mãos, a farmacêutica, também. A paz mundial parece ser algo cada vez mais improvável. A dupla fantasia de compreensão e harmonia entre os povos, oscila num trapézio no ponto mais alto da lona do circo onde, a hoje quase piegas Imagine, balança, sem rede de proteção.

Revisão: @HilarioRodrigues

Colaboração midiática: @Rodrigo_Chaves_de_Freitas

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