Grotowski e o ator performer, parte 1
Teatro Contemporâneo

Grotowski e o ator performer, parte 1

Teatro  Contemporâneo | Jerzy Grotowski – e o ator performer

Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@gmail.com

 

Biografia de Grotowski

Grotowski

Famoso diretor de teatro polaco nascido em Rzeszów, sudeste da Polônia, inovador do teatro do século XX e cujas idéias deixaram marcas profundas nos movimentos de renovação teatral em várias partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos.

Graduou-se na escola dramática estatal de Cracóvia (1951-1955) e, em seguida, foi estudar direção no Instituto de Artes Dramáticas Lunacharsky, o GITIS, em Moscou (1955-1956), onde aprendeu técnicas de atuação e direção com grandes nomes do teatro soviético como Stanislavsky, Vakhtangov, Meyerhold e Tairov.

De volta à Polônia, continuou estudando direção e debutou (1957) no Stary Teatr, em Cracóvia, colaborando com Aleksandra Mianowska, na produção de Eugene Ionesco, As cadeiras.

No ano seguinte (1958) dirigiu uma produção workshop de Prospero Mérimée, O diabo feito uma mulher. Depois de dirigir Bogowie deiszkzu, de Jerzy Krzyszton, no Teatr Kameralny, e Uncle Vanya, de Anton Chekhov, no Stary Teatr, ambos em Cracóvia, passou a fazer parte do Teatro Laboratório, fundado nesse mesmo ano (1959), em Opole.

Defendendo uma teoria teatral que ele mesmo definiu em seus escritos como teatro pobre, o diretor polonês propôs maior participação do público, idéia aplicada em suas primeiras montagens.

Dirigiu textos clássicos, como Fausto (1963), Hamlet (1964) e O príncipe constante (1965), de Calderón de la Barca e fundou em Varsóvia o Teatro Laboratório Polonês (1965), grupo que dirigiu em várias produções de sucesso na Europa e apresentou-se pela primeira vez em Nova York (1969) com grande sucesso.

Foi nomeado Full Professor da Ecole Supérieure d’Art Dramatique in Marseille (1971). Dirigiu outras peças nos Estados Unidos e fundou a American Institution for Research and Studies into the Oeuvre of Jerzy Grotowski, com o objetivo de popularizar suas idéias inovadoras nos USA.

 

Regressou à Polônia (1980) onde montou O teatro das origens, produção de fundo antropológico com a qual se apresentou em diversos países.

Mudou-se para os EEUU (1982) onde foi professor na Columbia University, em New York, e depois professor na University of California (1983). Fixou-se em Cracóvia (1984), mas pouco depois mudou-se para Pontedera, Itália (1985), onde morreu.

Ganhou várias homenagens internacionais e nacionais na Polônia, foi Doutor Honorário das Universidades de Pittsburgh (1973), de Chicago (1985) e de Cracóvia (1991) e nomeado Professor do College de France (1997).

Introdução

O teatro para Grotowski é uma arte carnal. Por isso o corpo precisa quebrar suas resistências. O corpo é material psíquico. Ele diz que “a ação física deve apoiar – se sobre associações pessoais, sobre suas baterias psíquicas, sobre seus acumuladores internos.

” O essencial é que tudo deve vir do corpo e através dele: “antes de reagir com a voz, deve – se reagir com o corpo. Se se pensa, deve-se pensar com o corpo inteiro, através de ações.” Os gestos do ator não devem “ilustrar”, mas realizar um “ato de alma” através de seu próprio organismo. Como Artaud, Grotowski busca encontrar os vários centros de concentração do corpo: “para as diferentes formas de representar, procurar as áreas do corpo que o ator sente, algumas vezes, como suas fontes de energia.”

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Dar ao corpo uma possibilidade. Uma possibilidade de vida, em que mente/corpo/palavra/gesto/espírito/matéria/interno/externo se integrem e se expressem em sua totalidade:

“há que dar-se conta que nosso corpo é nossa vida. Em nosso corpo estão inscritas todas as nossas experiências. Estão inscritas na pele e embaixo da pele, desde a infância até a idade madura e ainda talvez desde antes da infância e desde o nascimento de nossa geração. O corpo em vida é algo palpável (…) o retorno ao corpo – vida exige desarmamento, desnudamento, sinceridade.”

O desvendamento do ator se fará não para o espectador, mas diante dele. Esse desvendamento, baseado num esforço de total sinceridade, exige do ator a aceitação de uma renúncia a todas as suas máscaras, mesmo as mais íntimas.

É essa sinceridade que vai provocar o ENCONTRO entre ator e espectador, produzindo um efeito de abalo, que pode ser muito profundo, adquirindo a força de um acontecimento do qual o espectador sairá transformado.

Ele diz que, ao se revelar, tirando sua máscara do cotidiano, o ator possibilita ao espectador empreender um processo semelhante.

Grotowski nos fala do ator – performer: “O Performer, com maiúscula, é um homem de ação. É o dançante, o sacerdote, o guerreiro (…) o performer deve trabalhar em uma estrutura precisa, fazendo esforços, porque a persistência e o respeito pelos detalhes são o rigor que permite fazer presente o eu-eu. As coisas por fazer devem ser exatas. Don’t improvise, please! Há que encontrar ações simples; porém tendo cuidado para que sejam dominadas e que isto dure. De outra maneira não se trata do simples e sim do banal.”

O ato criativo no teatro deve ser o resultado da dialética entre precisão e espontaneidade e isto, como diz Marco de Marinis, “é recorrente em todos os escritos de Grotowski, desde aqueles dos primeiros anos da década de 60 até as reflexões antropológicas mais recentes sobre a co-presença do processo orgânico e processo artificial nas distintas formas existentes do ritual.”.

A tendência do ator à sinceridade não o autoriza a ser informal e casual. Uma viagem ao seu fórum íntimo não pode acontecer sem o acompanhamento de uma disciplina, onde o ator, para não cair no caos, na confusão e no inexpressivo, deve buscar traduzir esse universo por meio de uma partitura gestual, vocal e sonora que seja reflexo material dessa viagem.

É dessa contínua oposição entre espontaneidade e disciplina, interioridade e artificialidade, sentimento e forma, que vai nascer o ato total no teatro.

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O ator para Grotowski é um homem que trabalha em público com o seu corpo, oferecendo-o publicamente; por isso, se esse corpo se limita a mostrar o que é, ou seja, se se limita a demonstrar algo que qualquer pessoa pode fazer, não constitui um instrumento obediente capaz de criar um ato espiritual.

Daí a importância que ele dá ao desenvolvimento de uma anatomia especial para o ator. Para desenvolver esta anatomia, é necessário ordem, harmonia e disciplina, pois esse trabalho exige que os atores se lancem em algo extremo, num tipo de transformação que pede uma resposta total de cada um. Esse algo vai além do significado de “teatro” e é muito mais “um ato de viver” e “um caminho de existência”.

A trajetória do Teatro de Grotowski

Segundo Marco de Marinis pode-se distinguir ao menos 04 períodos nas atividades de Grotowski:

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Halina Gallowa y Jerzy Nowak em “Las sillas” de Ionesco (1957)

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Halina Gallowa y Jerzy Nowak em “Las sillas” de Ionesco (1957)

1- Período entre 1957 a 1961

Este primeiro período pode ser denominado como “Teatro de Representação”, quando foi fundado o “Teatro das 13 Filas”. Nesta fase Grotowski ainda era aluno da Escola Superior de Arte de Cracóvia. Ele se graduou em 1960.

Esta fase de aprendizagem (como aluno) inclui trabalhos de direção. Sua primeira direção aconteceu em 1957, com a peça “Las Sillas”, de Ionesco, no Teatro Stary. Segue “Tio Vânia”, de Checov, em 1958.

Em 1960 dirige “Fausto”, de Goethe. Dirige também as primeiras obras produzidas em Opole, com o seu novo Grupo de Teatro: “Orfeu”, segundo Cocteau (1959); “Caim”, segundo Byron (1960); “Mistério Bufo”, segundo Maiakowski (1960); “Sakuntala”, segundo Kalidasa ((1960); “Os antepassados”, segundo Mickievicz (1961).

Ao citar o autor das peças, Grotowski coloca “segundo fulano” e não “de fulano”, para manifestar sua autonomia em relação à obra literária em que se inspirou ou da qual partiu. Para confirmar isto, ele se coloca como autor do libreto e não só como diretor.

Neste primeiro período, Grotowski ainda monta seus espetáculos dentro do ecletismo dramático e estético – as diferentes e ricas experiências teatrais e culturais acumuladas até este momento: Stanislawski e Meyerhold são dois pólos que estarão constantemente em seu trabalho; o conhecimento de distintas formas do teatro oriental – Katakali, Nô e Ópera de Pequim; os seminários em Aviñón, com Jean Vilar, em Praga, com Emil Burian; participação como espectador de algumas adaptações do Berliner Ensemble; a companhia de Brecht; a filosofia de Sartre; a chamada dramaturgia do absurdo; a história das religiões; a filosofia oriental.

Esses são alguns elementos chaves ao redor dos quais girou Grotowski, radicalizando cada vez mais em toda a sua investigação posterior, ou seja:

  • a autonomia do teatro sobre a matriz literária (nesta fase ele já se coloca como diretor e autor da encenação teatral).
  • o protagonismo do ator e sua expressão física.
  • o contato com o espectador.

Nesta fase, o teatro desenvolvido por Grotowski ainda não conseguia público. Em 1960, quando montou “Fausto” em Opole, o espetáculo era frequentemente suspendido por falta de público.

2 – Período entre 1962 a 1969

Coincide com o momento de grande aceitação internacional, graças a alguns espetáculos memoráveis, nos quais a poética do Teatro Pobre e a experimentação das técnicas do ator chegam ao seu apogeu:

“Kordian”, segundo Slowacki (1962); “Akropolis”, segundo Wyspianski (1962); “A trágica história do Dr. Fausto”, segundo Marlowe (1963); “Estudo sobre Hamlet”, segundo Shakesperare e Wyspianski (1964); “O Príncipe Constante”, segundo Caldérom e Slowaski (1965); “Apocalypis com Figuris”, montagem de vários autores (1968-1969).

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3 – Período entre 1970 a 1979

No outono de 1970, depois de uma longa estadia na Índia, Grotowski anuncia a intenção de não voltar a preparar novos espetáculos, de interromper a atividade teatral propriamente dita.

Passa a investigar a intercomunicação e o “encontro” entre indivíduos. Estas atividades receberam o nome de “parateatrais” e se desenvolveu durante toda a década de 70, especialmente entre 1975 e 1979, mediante uma série de “projetos especiais”, articulados por uma quantidade de etapas intermediárias: Projeto Montanha, La Vigília, A árvore da gente, Meditação em voz alta.

 

4 – Período após a década de 70

Aos fins dos anos 70 o Teatro Laboratório entra em crise e com seus atores dispersos pelo mundo, se encerra em 1984.
O começo dessa fase foi denominado por Grotowski como “O Teatro das Fontes”.

Ele busca recuperar dentro de uma nova ótica, os interesses antropológicos e histórico-religiosos que havia cultivado desde muito jovem e por meio de suas viagens ao Oriente.

Sobre O Teatro das Fontes” diz Grotowski: “Reunindo as pessoas ligadas a antigas criações, religiões e línguas diferentes, tratei de encontrar entre elas uma comunicação, um Teatro das Fontes. Uma espécie de Yoga teatral onde se pudesse descobrir coisas muito simples.

Desde o Monte Athos até China ou Japão, existem diferentes escolas de respiração, porém diferentes na exalação. O elemento comum que precede estas diferenças é a atenção sobre a respiração. O Teatro das Fontes se concentra mais na área de investigação do que na ação.”

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