Yeda Prates Bernis - escritora






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O rosto do Silêncio
Yeda Prates Bernis
Editora Cuatiara, BH - 1992
21 x 21,5 cm - 46 páginas

Planejamento gráfico: Maxs Portes
Desenho: Sara Ávila

PRÊMIOS:

  • Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras
  • Prêmio Alejandro José Cabassa, conferido pela União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro
  • Personalidade Cultural, da U.B.E. - Rio de Janeiro

    PREFÁCIO

    Com significativa bagagem poética, Yeda Prates Bernis oferece-nos agora este novo livro. Tecidas de poemas bem construídos, nos quais, em nenhum momento, se rompe a sensibilidade expressional e a harmonia semântica, estas páginas são um branco território onde, apesar do apuro artesanal, não se delineia a gelada paisagem do cerebralismo, mas uma delicada névoa a encobrir belezas insuspeitadas.

    O projeto poético de Yeda, em sua fase atual, é dos mais dinâmicos e atraentes. Seus poemas são expressões da busca de um elemento imponderável: o silêncio, como sugere o título. Essa busca encontra ressonância em outro de seus importantes livros, Pêndula, centrado na temática de outro elemento imponderável: o tempo.

    Mais que uma temática, mais que o adejo transitório da inspiração, o silêncio, simultaneamente esquivo e poderoso, lateja em toda a essência destes poemas, mesmo quando não explicitado em vocábulo, como nestes exemplos ao acaso colhidos:

    Pise de leve para não assustar setembro (Véspera).
    O tempo dorme nas coisas (Junto a um templo).

    Causa e efeito, não raro o silêncio é camuflado por seus antônimos (ruído, som, canto) visando a fortalecer o vínculo à base de onde emerge:
    Dom maior é o canto dos anjos-semibreve (Improviso)
    Agora a primeira rosa vai amanhecer cantando (Alquimia)

    É notória em todo o livro a substituição dos sons reais pelos subjetivos, ou seja, a capacidade da poetisa para escutar o inaudível: o ruído da semente germinando, o respirar das pedras, o mantra do universo, ou mesmo o rumor do crepúsculo ao se deitar pela terra (Travessia).

    Pode tentar-se surpreender o mecanismo criativo da autora no pequeno poema Flauta, com fortes características de um haikai:
    A flauta serra o silêncio: / uma poeira de sons esvoaça./ Insemina o corpo da tarde.
    O som da flauta (ingrediente externo) agregou um núcleo complementar e inusitado ao instante de concepção do poema. O verbo "serrar" revela o tom agressivo e perturbador desse som no território silencioso da poesia emergente. Passado o impacto, ocorre a mágica integração do som físico ao som psíquico, no universo da poetisa. O silêncio interior se impõe, e o que era um agudo som a agredi-lo, agora não é senão uma poeira de sons a esvoaçar, até sublimar-se e alcançar a plenitude da silenciosa e fecunda mensagem: insemina o corpo da tarde.

    Influências de filosofias e poesia orientalista, nas quais Yeda se vem ultimamente submergindo, refundidas pelo seu carisma poético, perenizam o instante das coisas mais simples às mais complexas.

    Em Teofania, um de seus mais profundos poemas, a onipresença de Deus é intuída ao espraiar-se entre cristais e lama, vermes e arcanjos, em moto-contínuo e, entre galáxias e labirintos, a solfejar bachianas.

    Não nos parece improvável que a divina música de Bach tenha comovido os céus, ou que deles se tenha originado. Finalizando o poema, a poderosa imagem:

    O rosto de Deus transborda silêncio
    entre os instantes e o eterno.

    Chame-se a atenção do leitor para a riqueza vocabular extraída da música - semibreve, bemóis, escalas, etc. - incluindo a essência cantante de toda a poesia de Yeda.

    Na sua qualidade de musicista e cantora exímia, o silêncio para ela não é senão a pausa da música.

    Aliás, essa captação do grande silêncio do Absoluto se manifesta nas filosofias e religiões de fundo místico, através de múltiplas vozes e outros sons que se contrapõem e se depuram. Lembrem-se, por oportunos, os dois famosos oxímoros do santo poeta espanhol - Juan de la Cruz - ao tentar definir a Deus, no seu Cântico Espiritual:

    "Es calada música / és solidão sonora.
    Por tudo o que conseguimos captar de sua leitura, O Rosto do Silencio é, inegavelmente, um livro maduro, fruto da erupção de uma grande quietude interior à qual estes versos do poema Travessia esclarecem com simplicidade e lucidez:

    Sem que esperasse, um dia tropeçou nas águas do silêncio.
    E dele se encharcou, da pele ao coração.

    Lacyr Schettino




    POEMAS:

    ALQUIMIA

    Enterrei meu canarinho
    junto à roseira.
    Agora, a primeira rosa
    vai amanhecer
    cantando.


    AQUELAS PALAVRAS

    Nódoas na alvura
    do linho.

    Sobre a pedra
    do olvido
    deixá-las
    em água e vento.

    Para sempre
    alcem vôo.


    ECLESIASTES

    Para Oswaldino Marques

    A tarde levita.
    Um sino de cristal
    irisa o peito.

    Bordo lírios
    em pura
    seda.

    Uma voz aporta
    com sua bagagem
    de lembranças,
    estilhaça o cristal,
    tinge de vermelho
    os lírios do bordado.


    VÉSPERA

    Um cio
    antiquíssimo
    engravida sons e cores.

    Polens de luz
    inseminam
    a corola do dia.

    Levita
    de leve
    a seiva das coisas

    E busca o apelo
    do que será
    esplendor.

    (pise de leve
    para não assustar
    setembro.)


    QUANDO O AMOR SE ACHEGA

    Quando o amor se achega
    e, no outro, não encontra
    espaço aberto,
    ele, humilde, se aconchega
    a si mesmo. e, descoberto,
    se agasalha com pesado manto
    de temor, dúvida e espanto.

    E ao tempo pede
    que o acalente,
    à desventura
    que o sustente
    não mais que o prazo certo,
    e a um vento
    inexistente
    que o leve
    em momento
    brando e breve.


    IMPASSE

    Vida trancada a sete chagas
    aprisionada em quarto escuro.
    Fantasmas deslizam sua dança
    nas paredes e há pedaços de mágoa pelo chão.
    Rubro fio de seda escorre, lento,
    do coração,
    cada centímetro, puro
    desalento.

    Impossível tentar frestas na esperança,
    inútil fazer concha com a mão.


    INSÔNIA

    Sorvo a noite
    despejada
    em meus poros.

    Espessa hora,
    música abstrata.

    As sombras
    se alimentam
    do granito
    do silêncio.
    Quando, um hausto
    de luz, onde
    um barco de palavras?

    Sorvo a noite
    debruçada
    sobre um
    nada.


    FOGUEIRA

    Espio à beira
    do que chamam de minha alma.
    Fingindo calma,
    vejo no poço uma fogueira
    queimando o já tão pouco
    do muito edificado.
    Não como um louco
    mas como quem não presta
    atenção, despejo gasolina.

    Tudo o que resta
    é um choro de menina.


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